Tomando as rédeas da minha (trans)masculinidade

Achar meu lugar neste mundo enquanto homem trans não é fácil. A constante alienação e isolamento me deixam desesperado e às vezes parece que não há um único grupo que está disposto a me acolher de braços abertos, não sem antes me privar de complexidade e personalidade.

Conversas em torno de minha existência acontecem sem espaço para minha participação e minha presença na sala é mantida aos cantos mal-iluminados – se é que sequer posso entrar.

Há este sentimento fodido que permeia rodas LGBTQ+ e feministas de que masculinidade é uma coisa inerentemente suja e violenta, e qualquer pessoa que se aproxima dela é traidora e perigosa. Um sentimento de que ser ou se apresentar de forma masculina te faz um soldado do patriarcado. Um opressor. Uma arma prestes a disparar.

Eu entendo de onde isso vem, claro que entendo. O patriarcado é, em si, uma força opressora e causadora de muitos dos males da sociedade. Mas esta equiparação entre patriarcado e masculinidade não é só errônea como também apaga a participação de mulheres (cis, brancas, de classe alta) na manutenção de diversos sistemas de opressão. A masculinidade não pertence aos homens cis, nem pode ser exclusivamente definida por eles. Ignorar a realidade de expansões de gênero marginalizadas contribui mais para manter o status quo do que para desmantelá-lo e toda e qualquer análise de gênero e outras hierarquias sociais que se orgulha em ser rasa e unidimensional não tem mérito algum nem deve ser levada a sério.

Embora essa retórica venha principalmente das “radfems” e demais grupos transfóbicos, vejo muitas pessoas que se dizem simpatizantes com a causa trans ou são até mesmo parte da comunidade repetindo estas ideias e as tomando como verdades absolutas.

É tão frustrante a forma como as pessoas se sentem confortáveis em falar sobre pessoas transmasculinas e nossas vivências como se soubessem mais sobre nós do que jamais pudéssemos saber. Nossas vozes e autonomias são sequestradas por gente que quer mais é afundar nossas cabeças debaixo d’água enquanto proclamam de peito estufado que não estamos nos afogando.

Me sinto agoniado sabendo que a maior parte da violência que enfrentamos é entre quatro paredes, e que quando o mundo noticia nossas mortes somos engavetados junto a estatísticas de feminicídio e violência contra a mulher. Tudo isso, é claro, é usado contra nós para nos silenciar quando tentamos falar sobre o nosso sofrimento. Nos dizem que não enfrentamos violência alguma, que é fácil ser transmasculino já que ganhamos poder social assim que anunciamos nossos pronomes. Ninguém jamais nos estupra, espanca, ostraciza, extermina. Não vivemos em constante angústia. Nós nunca tiramos nossas próprias vidas. O mundo nos ama.

Que triste jeito de se viver.

Minha masculinidade é minha e só minha. Eu a defino, eu a controlo. Eu decido como se parece, como se veste e quais valores morais e éticos incorpora. Ninguém tem direito de dizer o contrário, e ninguém tem o direito de apagar a dor que nós, transmasculinos, sentimos todos os dias, semanas, meses e anos.

Não quero viver em medo constante de perder amizades e apoio de outras pessoas da comunidade LGBTQ+ porque o meu status de homem trans é incômodo, a minha dor muito inconveniente. Sou histérico e sou brutamonte, mas jamais sou ser humano. Acho que quem só está disposto a me amar apesar de quem eu sou, na verdade pouco se importa com a minha dignidade.

Sinto o cansaço pesar no meu corpo e dentro da minha mente, só estática. Eu quero um abraço, eu quero paz. Eu quero viver em um mundo que possa chamar de lar.